O novo filme de Alfonso Cuarón traz a simplicidade que a indústria cinematográfica tenta fazer. Cinema Puro
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Pensei que depois de O Primeiro Homem (2018), custaria para existir outro longa tão intenso e humano. Eis Roma, de Alfonso Cuarón, capaz de estremecer os corações mais receosos. Cinema em seu estado natural. Puro.
Roma conta a história de Cleo (Yalitza Aparicio), uma empregada doméstica que cuida de uma família de classe média, na Cidade do México nos anos 1970, palco de grandes revoluções populares. O título é referência à Colônia Roma, distrito localizado no México. Dirigido pelo ganhador do Oscar, aqui Cuarón assina também o roteiro, produção, fotografia e edição. Filme inteiramente do diretor, uma obra semi-biográfica em preto e branco baseada na infância de Cuarón e no bairro onde cresceu.
Depois de dirigir grandes produções como Gravidade (2013) e Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2002), Cuarón aborda em Roma a simplicidade em preto e branco, e expõe os desafios diários das mulheres que sofrem e lutam sem qualquer reconhecimento. Porém, não pense que o longa não deu trabalho. A câmera observa a realidade de forma passiva, permitindo que o público faça suas interpretações. A escolha por planos gerais, menos intrusivos, possibilitou olhar o cuidado e a riqueza de detalhes que foram colocados em cenas. Cuarón cria cenas sem cortes, fazendo com que a câmera gire de 180º a 360º de uma maneira fluida e linear, mostrando a cada instante, uma nova abordagem. Nenhum movimento está de graça.
No entanto, a família começa a apresentar problemas. O pai sai de casa e a mãe precisa lidar com a situação financeira. Ao mesmo tempo em que Cleo engravida e o namorado não assume. Duas mulheres de diferentes classes compartilhando a dor do abandono. A atriz que interpreta Cleo, Yalitza Aparicio, faz aqui seu primeiro papel no cinema. Além de cuidar de suas obrigações diárias como lavar a roupa, o pátio, buscar as crianças na escola, colocá-las para dormir, ela entrega uma poderosa atuação. Basta olhar para sentir o que ela sente. Já Marina de Tavira, intérprete de Sra. Sofía, aparece sempre abatida, tentando sair da falência em que seu ex-marido a deixou. Por mais que ela e as crianças tentem integrar Cleo na família, fica claro que ainda existe superioridade entre patrão e emprego.
A edição e mixagem de som são impecáveis, pode-se se ouvir o barulho do mar, da vassoura limpando o chão até mesmo do avião passando. Roma é uma semi-biografia delicada e imersiva. Para muitos a história de Cleo soa como cotidiana, mas Cuarón encontra na tristeza a beleza em retratar uma vida de sofrimento. Lindo tributo as mulheres que lhe cuidaram.